Institucional
Luta e resistência dos pescadores de Cajueiro da Praia-PI: defesa de territórios à conquista dos TAUS
4 de dezembro de 2021
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O município de Cajueiro da Praia-PI, faz parte de um importante berçário para inúmeras espécies da vida marinha, como peixes, camarões, caranguejos, siris, mariscos. Além destes, espécies ameaçadas de extinção, como tartarugas marinhas, cavalo-marinho e uma significativa população de peixe-boi marinho.

Essa rica biodiversidade contribuiu para que muitas famílias que chegaram à região há cerca de 120 anos, pudessem viver da pesca até os dias de hoje, da mesma forma como praticada no passado. A população de Cajueiro da Praia tem na atividade pesqueira, a principal ocupação para o sustento de suas famílias. E que tem na alimentação, o reflexo da importância desta atividade para a sua sobrevivência. São 21,5 kg de consumo médio de pescado per capita/ano no município (FAO, 2000).

Mas, desde 2019, os pescadores de Cajueiro da Praia veem travando uma luta de resistência pela manutenção de sua atividade tradicional, bem como seus territórios e contra um modelo de desenvolvimento econômico que ameaça e agride seus modos de vida, cultura, território e tradicionalidade. Assim, podemos considerar que população vem sendo acometida por um racismo institucional e ambiental que assola nosso país e que hoje ameaça uma das mais antigas profissões do mundo.

Sobre os recentes impactos ambientais sofridos pelo município, podemos citar o crime ambiental ocasionado pelo derramamento de petróleo, que atingiu todo o litoral do Nordeste, além dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, no Sudeste. Na região, tal impacto causou grande sensibilidade aos recursos pesqueiros, no que se refere a sua comercialização, além de colocar em risco a biodiversidade local e a saúde dos pescadores e moradores.

Ainda em 2019, com o fortalecimento das especulações imobiliárias, os territórios pesqueiros de Cajueiro da Praia, vinham sofrendo grande ameaça. Em 2020, a comunidade pesqueira do município sofreu com uma destruição arbitrária de mais de 20 “ranchos de pesca”, onde não foi levado em consideração um processo de regularização da área tramitando na Superintendência do Patrimônio da União-SPU e determinações expedidas pelo Ministério Público Federal-MPF, as quais orientavam sobre a preservação dos espaços de pesca.

Imagem: Neto Zanzibar
Imagem: Luciano Galeno

Como tudo começou?

Em agosto de 2019, após ameaças de retiradas dos pescadores do porto pesqueiro Praia da Lama (Cajueiro da Praia-PI), a Comissão Ilha Ativa-CIA buscou a regularização de posse coletiva das comunidades tradicionais e solicitou junto à Superintendência do Patrimônio da União uma concessão de TAUS – Termo de Uso Sustentável, uma vez que existem leis que reconhece e garante à classe, direitos sobre seus territórios. Estes, estão assegurados na Constituição Federal de 88, na Convenção 169 da OIT- Organização Internacional do Trabalho ratificada pelo Congresso por meio de decreto legislativo 143/2002; Decreto 6.040/2007 da Presidência da República e lei Federal 9.985/2000.

Em dezembro de 2019, foram realizadas diversas reuniões junto a SPU e demais órgãos para buscarmos formas de regulamentar e construir coletivamente ações legais de proteção a esses territórios de pesca. Vale ressaltar que, essas construções eram de uso coletivo para exercício do trabalho de várias famílias componentes de Comunidade Tradicional, residentes dessa região e que desenvolvem a pesca artesanal e cata de marisco há mais de 50 anos.

Em paralelo a solicitação de TAUS na SPU, instituições de apoio a pesca artesanal como o Movimento dos Pescadores do Piauí-MPP e Conselho Pastoral dos Pescadores-CPP, além de advogados populares, se uniram à CIA e solicitaram medidas emergenciais ao MPF, para a proteção dos territórios pesqueiros. Assim, o MPF emitiu duas recomendações: a proibição da retirada das pesqueiras e proteção aos direitos dos pescadores.

Apesar de toda essa importância socioambiental da área do Porto da Lama, no dia 13 de fevereiro de 2021, o Ministério Público do Estado do Piauí – MPPI, executa uma ação contrária às determinações do Ministério Público Federal: a derrubada das pesqueiras daquele local, acarretando a perda das casas de pesca ou ranchos de pesca, materiais (motores, redes) e sobretudo, a garantia na execução de seus trabalhos.

Neste momento, fica ainda nítido o racismo ambiental e estrutural. Não houve consideração quanto à presença destes trabalhadores que atuam há décadas no local, nem aos impactos carregados pelo derramamento de petróleo e ainda aqueles provocados pela pandemia da COVID-19, que comprometeu e impossibilitou a prática da pesca, afetou a saúde mental e ceifou vidas de companheiros de luta.

Imagens: Luciano Galeno

“Desde quando derrubaram nossas pesqueiras, que já perdi muito material. Foi rede, grosera, muita coisa, porque não tem como trazer da canoa e levar pra cara porque é pesado, tenho dor nas costas. Aí toda hora a gente vai vigiar pra não roubarem nossas coisas. A gente tem sofrido muito com tudo isso”, relata senhor Antônio, pescador que teve material de pesca perdido durante a retirada das pesqueiras.

“Quando a gente tava retirando os entulhos, tinha muito mal cheiro, quando retiramos os barros, tinha gato morto, marisco que estavam nos sacos pra limpar. Tinha gente pra pescar que quando chegou, só viu tudo no chão. E uns amigos tentando ajudar os outros”, relata senhor Tiú, pescador artesanal.

Uma grande VITÓRIA, após grande LUTA

A luta iniciada em agosto 2019, com o requerimento da CIA para a liberação dos TAUS, ficou mais fortalecida nos últimos meses. No dia 28 de outubro de 2021, a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União, publicou a portaria nº 12.425 no Diário Oficial da União, que estabelece o Termo de Autorização de Uso Sustentável.

No dia 30 de novembro, finalmente, houve a assinatura de concessão do TAUS, que permite aos pescadores do Porto da Lama, a utilização daquela área de forma sustentável. No total, são 23.753m², que beneficiará cerca de 34 famílias de pescadores, onde poderão reconstruir suas pesqueiras, guardar seus instrumentos de pesca e seus pescados, realizar manutenção de embarcações, motores, além de beneficiamento dos produtos capturados.

Essa conquista mostra a força que as comunidades pesqueiras têm e retrata a determinação das organizações sociais, dos movimentos populares e o trabalho coletivo.

“Essa é uma pequena vitória diante de uma luta que não para. Somos contrários ao fascismo territorial e contra esse modelo de desenvolvimento que exclui e ameaça as populações tradicionais. Continuaremos na luta coletiva para garantir a manutenção da pesca, modo de vida, das práticas culturais. Buscamos fortalecer o vínculo com o território conquistado, a construção de estratégias para ampliar esses territórios, por políticas que tragam qualidade de vida. Buscamos contribuir, elaborar, projetos de Lei de iniciativa popular, só assim restabeleceremos o território pesqueiro tradicional”, comenta Liliana Souza, da Comissão Ilha Ativa.

“O crescimento da luta dos pescadores de Cajueiro da Praia pelo seu Território, é uma reação provocada pelos impactos ambientais causados, por atividades econômicas que influenciam diretamente na atividade pesqueira, uma delas é a especulação imobiliária, que vem crescendo de forma desordenada na região, retirando os direitos dos povos tradicionais. O momento agora é de alegria pela conquista, mas de manter sempre o foco na continuidade dessa luta, buscando e fortalecendo parcerias e criando estratégias”, disse Kesley Paiva da CIA.

Ainda faltam respostas

Mesmo diante dessa grande conquista, que é a liberação do Termo de Autorização de Uso Sustentável, muitas perguntas ainda estão sem respostas. A principal delas é: De onde partiu a ordem de derrubada das pesqueiras do Cajueiro da Praia?

A investigação solicitada pelo MPP, CPP, pelos advogados populares e Comissão Ilha Ativa, ainda estão em curso. As instituições, os pescadores do Porto da Lama, seguem confiantes na obtenção destas respostas.

Agradecimentos:

Movimento dos Pescadores-MPP/PI, pela incansável luta na defesa dos direitos dos pescadores tradicionais.

Ao Conselho Pastoral da Pesca-CPP, pelo fortalecimento e enfrentamento da luta, nas pessoas de Marcelo Apel, que hoje enfrenta batalhas em outros estados, mas foi fundamental durante todo o processo e Luciano Galeno pelo apoio, força e acompanhamento das lutas.

Aos advogados Drª Albertina Thomaz e Dr. Paulo Costa, por terem abraçado essa luta e não terem medido esforços para que os pescadores tivessem seus espaços garantidos

Ao Ministério Público Federal, pelo atendimento às demandas da CIA, MPP, CPP e pescadores.

Ao ICMBio/ APA Delta do Parnaíba, pelo acompanhamento do processo, apoio e orientações.

A SPU pelo apoio, orientação e atendimento às nossas solicitações.

Agradecemos em especial aos pescadores de Cajueiro da Praia, pela confiança em nossa instituição e parceiros; e por nunca terem desistido. Essa conquista é de vocês.

A luta dos pescadores de Cajueiro da Praia-PI, é uma realidade de diversas comunidades de pescadores do Piauí e de todo o Brasil. Seguimos resistentes!