Institucional
Pontal do Delta/Ecocity: uma proposta de ecoturismo/resort ou um projeto de especulação imobiliária?
7 de agosto de 2017
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Quem não ouviu falar dos empreendimentos turísticos “Pontal do Delta/Ecocity” e Pure Resorts nesses últimos anos? Esses empreendimentos estão previstos para serem construídos na região da Ilha Grande de Santa Isabel, maior ilha do Delta do Parnaíba, que pertence aos municípios de Ilha Grande e Parnaíba-PI, tendo como um dos grandes proprietários desse território ao longo de uma história recente a família “Silva”. Atualmente, grandes áreas desse território, que tradicionalmente eram o lar e o sustento de pescadores artesanais, já foram ocupadas pelos parques eólicos.

Amplamente divulgados à sociedade e aos órgãos licenciadores para fins de autorização ambiental como projetos extremamente benéficos para o fomento do turismo na nossa região, quando apresentados no papel, ambos são bem diferentes do discurso.

Pois bem, essa ilha em toda sua extensão territorial está dentro da Área de Proteção Ambiental – APA Delta do Parnaíba, criada em 1996 pelo governo Federal e parte na Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba, criada em 2000. Sua extrema beleza, fragilidade, e riqueza ambiental, justificaram a criação dessas unidades de conservação para proteger o Delta do Parnaíba e os atributos ambientais, sociais e culturais de suas comunidades tradicionais. No próprio Zoneamento Ecológico e Econômico do Baixo Parnaíba – ZEE (2002) toda área é considera extremamente frágil e de preservação permanente, sendo refúgio de espécies ameaçadas de extinção e de aves migratórias, além de possuir outros aspectos ambientais.

Todo empreendimento que tenha impactos ambientais e sociais necessita passar pelo processo de Licenciamento Ambiental, onde o órgão licenciador avalia a extensão do impacto ambiental do empreendimento e emite ou não uma autorização. Quando os impactos são sobre as Unidades de Conservação Federais e suas Zonas de Amortecimentos, é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio quem precisa analisar a viabilidade do empreendimento em relação aos danos que possam vir a afetar os atributos ambientais e sociais que justificaram a criação da Unidade de Conservação.

Esses dois empreendimentos passaram por esse processo de licenciamento ambiental, conduzido pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado Piauí – SEMAR, com a realização de audiências públicas nas quais os empreendedores apresentaram seus projetos para os diversos segmentos da sociedade presentes, reforçando sempre seu importante papel como indutores do turismo na região.

O empreendimento Pontal do Delta, por exemplo, obteve a licença prévia da SEMAR com autorização do ICMBIO, porém com diversas condicionantes (estudos, informações, adequações complementares feitas pelo ICMBio) a serem cumpridas antes da emissão da Licença de Instalação.

Ao analisar as 35 condicionantes, que em sua maioria não foram atendidas, observamos que o empreendimento Pontal do Delta, conforme projeto apresentado ao órgão licenciador, prevê a construção de 34 lotes comerciais e 863 lotes residenciais, subdivididos em 13 quadras, com potencial de 3.588 pessoas no mínimo. Sem qualquer menção a empreendimento turístico ou resort. Apesar do projeto colocar que o mesmo foi concebido de acordo com a legislação vigente, os lotes previstos pelo empreendimento são em sua grande maioria de 360 m2, inferiores a dimensão estabelecida pelo Plano Diretor do Município de Ilha Grande (Lei nº 189/07) na Zona de Interesse Turístico, no qual os lotes urbanos podem variar entre 1.000 m2 a 10.000 m2, estando em inconformidade ao instrumento de gestão e ordenamento territorial do munícipio.

Conforme o parecer do ICMBio, “o empreendimento, no momento do seu licenciamento é analisado dentro do contexto das restrições ambientais da área e das oportunidades geradas pelo mesmo para melhoria da condição geral da área – ambiental, social e econômica. Durante o processo de licenciamento do empreendimento a proposta apresentada e amplamente discutida nas audiências públicas embasava a defesa do empreendimento principalmente enaltecendo o papel da implantação do resort como indutor da cadeia de turismo na região, gerando benefício dentro de toda cadeia do turismo. A mudança da concepção do empreendimento de resort e loteamento, para apenas loteamento, implica em um novo contexto de análise de impactos ambientais versus benefícios socioeconômicos, sendo que nesta nova proposta os impactos ambientais gerados para implantação não geram benefícios significativos à sociedade, conforme apresentado pelo empreendedor quando da solicitação inicial”.

Outra preocupação do órgão ambiental expressa nas condicionantes, que não foi atendida pelos estudos apresentados pelo empreendedor, refere-se a capacidade de garantir o abastecimento de água de todas as atividades previstas no empreendimento. É notória a crise hídrica que assola não somente nossa região, mas o planeta como todo. Planejar o abastecimento, bem como o reuso dos recursos a fim de garantir a segurança hídrica de toda a comunidade é imprescindível.

Na conclusão do Parecer na Nota Técnica do ICMBio, o órgão dispõe que “As condicionantes apresentadas pelo empreendedor não atendem a solicitação constante na ALA nº 17/2015 – CR5/ICMBio, o que inviabilizada a continuidade do andamento do processo de Licenciamento até que as mesmas sejam atendidas”.

Estes exemplos reforçam a importância do Licenciamento Ambiental como instrumento de precaução a ocorrência de danos ambientais e sociais, muitas vezes irreversíveis na promoção de empreendimentos socioeconômicos. Situação essa que se agrava com as propostas de alteração da legislação ambiental que tramitam no Congresso Nacional, que pretendem tornar nulo o poder desse instrumento. No entanto, em meio a crise dos recursos naturais, percebe-se a necessidade do seu fortalecimento na nova conjuntura ambiental global de escassez de recursos e usos sobre o meio ambiente, não cabendo ao Brasil retroceder para fragilizar ainda mais a legislação ambiental.

Além disso, considera-se que tal processo é ainda mais importante em uma região tão rica e frágil como já citado, que é o Delta do Parnaíba. Precisando ponderar a partir da nota técnica do ICMBio, sobre as condicionantes ao empreendimento já citado. Assim, cabe o seguinte questionamento: Seria um empreendimento muito mais imobiliário/lotes, que diretamente turístico? No entanto, seria esse cunho mais turístico que viriam criar alguns postos/vagas de empregos e geração de renda para os moradores das comunidades. Esse tipo de empreendimento poderia aumentar a especulação imobiliária na região? Sabendo que temos o menor litoral do Brasil e temos que ponderar quais atividades queremos para o nosso frágil ambiente Deltaico e para as comunidades pesqueiras e extrativistas. Qual modelo de “desenvolvimento” estamos fomentando para nossa região, que parece que tem subjugado a nossa riqueza ambiental, social e cultural; e o potencial turístico que estes atributos por si só representam.